Se você chegou de gaiato no navio e não leu as outras edições, sugiro fortemente que as leia antes de continuar, para não entrar pelo cano ♪
Mas, para te ajudar, os links estão abaixo:
Neurociência e Logoterapia O QUE DÓI: dos sentidos da dor ao sentido do sofrimento — Introdução
Quanto maior a sensibilidade, maior o sofrimento... O QUE DÓI: dos sentidos da dor ao sentido do sofrimento — Parte I
O cérebro que não sentia dor O QUE DÓI: dos sentidos da dor ao sentido do sofrimento — Parte II
Continuando…
PARTE III: A DIMENSÃO EMOCIONAL-AFETIVA-AVALIATIVA-REATIVA
A dor não é apenas uma experiência sensorial, ela também tem componentes emocionais e cognitivos. Assim, o estado emocional e a atenção podem modular a percepção da dor.
As emoções têm uma base biológica que envolve processos químicos no corpo, mas a experiência emocional é complexa e vai além de meros sinais químicos, ela comporta aspectos como:
Base Biológica: as emoções são influenciadas por substâncias químicas no cérebro, como neurotransmissores e hormônios. Por exemplo, a serotonina e a famigerada dopamina são neurotransmissores associados ao humor, disposição e motivação e alterações nos níveis dessas substâncias podem influenciar o estado emocional.
Sistema Nervoso: o sistema nervoso desempenha um papel crucial nas emoções. O cérebro – em particular a amígdala e o córtex pré-frontal – está envolvido na regulação e interpretação, enquanto os impulsos elétricos e a comunicação entre as células nervosas (neurônios) são fundamentais para as respostas emocionais.
Resposta Fisiológica: as emoções também desencadeiam respostas fisiológicas no corpo, como aumento da frequência cardíaca, mudanças na respiração e liberação de hormônios do estresse, como o cortisol e noradrenalina, responsáveis por gerar ansiedade.
Além dos aspectos fisiológicos, os aspectos cognitivos, sociais e culturais também desempenham papéis importantes na forma como interpretamos e expressamos as emoções.
Fatores como experiências passadas, bem como o contexto social, o aprendizado cultural e os valores individuais influenciam profundamente a natureza e a intensidade das emoções, as quais vão interferir diretamente na experiência individual da dor.
Por fim, é importante saber que o centro sensorial (s1) e o centro afetivo (CCA e a ínsula), estudados anteriormente — se não lembra, hora de revisar a edição anterior —, são dissociáveis, isso significa que:
uma pessoa pode ter a sensação de dor, mas não sentir dor.
Isso mesmo. Para a neurociência, ter a sensação de dor e sentir dor são coisas diferentes.
Quê?
Calma…
David Biro, um médico dermatologista e escritor estadunidense, em seu artigo intitulado Is There Such a Thing as Psychological Pain? and Why It Matters (Existe Algo Como Dor Psicológica? E Por Que Isso Importa)1, explica:
"Esses casos de desconexão entre a sensação e o sentimento de dor nos dizem que, apesar da complexidade da dor —, que envolve sensações e comportamento, sentimento, cognição e memória, o componente crítico é o sentimento."
Aqui, faço uma importante diferenciação entre emoção e sentimento, pois costuma confundir.
Do ponto de vista neurobiológico, a emoção é uma reação fisiológica automática em resposta a um estímulo. Ela pode ou não ter relação com a mente.
Isto é:
a) você pode sentir uma emoção sem necessariamente pensar no estímulo desencadeador dessa reação,
ou
b) pode pensar em algo e isso desencadear uma emoção.
Anatomicamente,
Emoção está envolvida com o sistema límbico (área mais primitiva em relação ao neocórtex2 e responsável pelo processamento das emoções).

Sentimento está envolvido com o neocórtex (aquela área enrugada com aspecto de noz). Os sentimentos são as interpretações conscientes sobre a emoção. Essa operação mental pode se demorar no tempo ou ir e retornar várias vezes como, por exemplo, ruminação mental.
Resumindo:
Emoções são respostas orgânicas intensas e de curta duração;
Sentimentos são processos mentais avaliativos duradouros.
Bom, você pode ainda simplificar pela fórmula abaixo:
Emoção + Pensamento = Sentimento
Por isso, aqui, sentimento está na dimensão mental e não na emocional. Tratarei a respeito na próxima edição.
Curadoria
Filme:
“A Verdadeira Dor” (A Real Pain, 2024)
A Verdadeira Dor ("A Real Pain", 2024) é um filme dirigido e estrelado por Jesse Eisenberg, que aborda o peso dos traumas familiares e a busca por significado diante do sofrimento herdado.
É sobre dois primos, David e Benji, durante uma viagem à Polônia após a morte da avó, sobrevivente do Holocausto. Eles enfrentam, cada um à sua maneira, as marcas deixadas por esse passado: David, de forma contida e metódica, e Benji, com humor e impulsividade, mas ambos profundamente afetados pelo legado de dor e expectativa familiar.
O filme é bastante reflexivo e equilibra momentos de humor e melancolia. Ideal para lembrar do que ensina Frankl sobre como a vontade de humor pode ser uma estratégia útil para lidar com a dor.
O filme também nos mostra como a verdadeira dor pode ser silenciosa, acumulada ao longo do tempo e muitas vezes não expressa, ganhando um peso emocional que aumenta com o passar do tempo, num efeito bola de neve.
No IMDb, o filme mantém uma boa avaliação, com nota 7,1/10.
Onde assistir? Disney Plus
Curiosidade:
Você sabia que o nome cientificamente correto de todo o conjunto que chamamos cérebro é na verdade encéfalo? E que o "cérebro" que falamos, tecnicamente corresponde ao neocórtex — a parte enrugada.
Logo, o encéfalo é composto pelo: neocórtex (o cérebro), pelo sistema límbico, pelo cerebelo e pelo tronco cerebral, ou seja, tudo que está no crânio.
Para fins de estudos introdutórios isso não é muito relevante. E visando não gerar confusão, mas facilitar a didática, trataremos tudo como cérebro mesmo, ok?
…
Finalizamos a parte mais fisiológica da neurociência e começaremos a adentrar os aspectos psicológicos a partir da próxima edição.
Agora, comente aí, você conhecia a diferença entre emoção e sentimento?
Caso assista ao filme, volte aqui para me dizer se fez sentido…
Se você leu até aqui, você faz parte de 03,14% das pessoas que eu considero um pouquinho mais nesse mundo. Meus sinceros agradecimentos. Prazer em lhe ser útil.
Até breve,
Murilo
BIRO. D. Is there such a thing as psychological pain? And why it matters. Cult Med Psychiatry. 2010 Dec;34(4):658-67. DOI: 10.1007/s11013-010-9190-y.
Aquela área cheia de dobras do cérebro e que parece uma noz.
Murilo!!! Excelente. Muito obrigada por partilhar isso. Deus abençoe.
Ir. Verônica (turma 4)