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#3 Brain Rot: Apodrecimento Cerebral

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Como os conteúdos curtos envenenam as nossas mentes

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Murilo Martinetti
dez 05, 2024
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#3 Brain Rot: Apodrecimento Cerebral
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Visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), Transtorno de personalidade Limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do início do século XXI.

— Byung-Chul Han

Brain Rot — Podridão Cerebral

Uma palavra ressurgiu da cinzas e rodou o mundo nessa primeira semana de dezembro:

O termo “Brain Rot”, composto pelas palavras “brain” (cérebro) e “rot” (podridão), foi eleito a palavra do ano pelo Dicionário de Oxford em 2024.

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A expressão refere-se à deterioração mental ou intelectual causada pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais e triviais, especialmente nas redes sociais. Este conceito ganhou notoriedade devido ao aumento das preocupações sobre o impacto negativo de conteúdos de baixa qualidade na saúde mental.

Apesar de estar em alta neste ano, o conceito em si não é novo, ele surgiu pela primeira vez em 1854, no livro “Walden”, do autor americano Henry David Thoreau. Na época, ele comparava o brain rot ao apodrecimento de batatas na Inglaterra, fazendo analogia com o empobrecimento intelectual da época.

Agora o termo ressurgiu como uma expressão cultural para descrever os efeitos negativos do consumo excessivo de conteúdo superficial, especialmente nas redes sociais. Essa deterioração mental reflete uma realidade preocupante que impacta a vida e a saúde das pessoas em um mundo cada vez mais conectado.

O comportamento do cérebro podre

Quando falamos sobre o comportamento associado ao brain rot, estamos nos referindo a uma série de sintomas que se manifestam em nossa vida cotidiana. A constante rolagem de feeds (que ocorre em quase todos os aplicativos, desde redes sociais até o e-commerce), a necessidade compulsiva de verificar notificações e a incapacidade de se desconectar do mundo digital são sinais claros de que algo não vai bem. Em virtude disso, as pessoas começam a se sentir letárgicas, confusas, esquecidas e, em muitos casos, completamente sobrecarregadas.

À medida que nos tornamos mais imersos em vídeos rápidos e postagens instantâneas, nossa habilidade de nos concentrar em tarefas que exigem um esforço mental mais profundo se deteriora.

Pesquisadores têm alertado sobre os efeitos prejudiciais dessa cultura dos vídeos curtos. Essa superexposição a informações rápidas pode levar à fragmentação da atenção e à dificuldade em se concentrar em atividades mais longas e complexas.

Estudos de neurociência cognitiva mostram que esse consumo excessivo resulta em um declínio significativo da atenção, tornando atividades simples, como ler um livro ou assistir a um filme, desafiadoras. Além disso, essa exposição contínua a informações simplificadas inibe nossa criatividade, fazendo com que muitos se contentem com o que é fácil e imediato, enquanto o cérebro sofre as consequências da sobrecarga de estímulos vazios.

O estudo The impact of the digital revolution on human brain and behavior: where do we stand?, que avaliou as consequências neurológicas relacionadas ao vício em internet/jogos, constatou “comprometimentos no desenvolvimento da linguagem e processamento de sinais emocionais”. Segundo o estudo:

O cérebro é afetado pela forma como o usamos. Não é exagero esperar que o uso intensivo de mídia digital mude o cérebro humano devido a processos de plasticidade neuronal.

Em outro estudo: Brain health consequences of digital technology use, avaliou-se as consequências do uso da tecnologia digital para a saúde do cérebro. Entre as conclusões está a seguinte:

Os potenciais efeitos nocivos do extenso tempo de tela e do uso de tecnologia incluem sintomas intensificados de déficit de atenção, inteligência emocional e social prejudicada, vício em tecnologia, isolamento social, desenvolvimento cerebral prejudicado e sono interrompido.

Claro que a internet e o digital também podem fornecer efeitos benéficos, principalmente para os mais velhos. O fato de exercitar a mente ao aprender a mexer em uma nova tecnologia ou um novo app, por exemplo, pode estimular o nascimento de novos neurônios e diminuir o declínio cognitivo.

Mas, infelizmente, as telas hoje são muito mais potencialmente nocivas devido ao mau gerenciamento que fazemos.

A sobrecarga de informações digitais está associada a níveis mais altos de ansiedade e depressão, frequentemente acompanhadas por uma sensação crescente de agitação e confusão mental.

Além disso, o brain rot pode resultar em problemas físicos, como tensão ocular, dores de cabeça e má postura. O corpo responde ao estresse mental acumulado, refletindo-se em nossa saúde física.

O resultado é um afastamento de atividades intelectualmente estimulantes e uma crescente preferência por conteúdos que proporcionam gratificação instantânea.

Essa mudança não apenas prejudica nosso desenvolvimento cognitivo, mas também afeta nossa saúde mental de maneira mais ampla. O vício em distrações digitais gera um ciclo vicioso de frustração e insatisfação, onde a busca incessante por novas informações rápidas se torna uma forma de fuga das realidades mais complexas da vida.

Assim, o brain rot se transforma em uma epidemia silenciosa, impactando não apenas nossa capacidade de atenção e criatividade, mas também nossa qualidade de vida e bem-estar emocional.

A violência neuronal

A violência neuronal é o título do primeiro capítulo do livro “Sociedade do Cansaço” de Byung-Chul Han, filósofo e ensaísta sul-coreano, e professor da Universidade de Artes de Berlim. Em sua análise sobre a sociedade contemporânea, ele observa que as doenças neuronais estão se tornando as principais condições patológicas do século XXI. Ele argumenta que vivemos em uma “sociedade do cansaço”, onde o excesso de positividade e produtividade gera um estado crônico de exaustão mental. Essa crítica ressoa fortemente com o conceito de brain rot, pois ambos refletem uma realidade onde as demandas externas superam nossa capacidade interna de lidar com elas.

Han sugere que essa busca incessante por desempenho leva à perda da autonomia e à incapacidade de organizar informações complexas ou tomar decisões significativas.

E isso é corroborado pelos estudos de neurociência cognitiva supracitados.


Podridão Cerebral: a epidemia silenciosa

A reflexão sobre a crítica de Byung-Chul Han, que descreve o início do século XXI como uma era marcada por doenças neuronais, nos leva a considerar a profundidade e as implicações dessa análise.

As doenças mencionadas por ele — como depressão, TDAH, transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e síndrome de Burnout — não são apenas diagnósticos clínicos, elas representam sintomas de uma sociedade que valoriza excessivamente a produtividade e o desempenho. Em vez de lidarmos com infecções físicas, apenas, estamos enfrentando um colapso cerebral, uma “violência neuronal” que se manifesta em nossa incapacidade de lidar com as demandas incessantes da vida moderna.

A crítica de Byung-Chul Han sobre as doenças neuronais do século XXI nos convida a reconsiderar nossa relação com o mundo moderno. Ao reconhecer que estamos apodrecendo nossos cérebros sob o peso das demandas incessantes de conteúdos vazios, temos a oportunidade de buscar um caminho diferente. Um caminho onde o valor do silêncio, da contemplação e do conhecimento profundo prevalece sobre a superficialidade das interações artificiais digitais.

Afinal, cuidar da mente é tão vital quanto cuidar do corpo. Mas a mente depende do cérebro para se manifestar. Logo, o cuidado mental começa no cuidado cerebral — e essa pode ser a chave para reverter os danos causados pela sociedade dos cérebros podres.


Revertendo o apodrecimento cerebral

Os conteúdos curtos podem ser divertidos e até informativos em doses moderadas, mas a dependência deles está nos levando a um estado preocupante de brain rot. Precisamos resgatar nossas mentes e redescobrir o prazer das experiências profundas e significativas.

Diante dessa paisagem patológica, surge a pergunta: o que podemos fazer para combater essa epidemia de podridão mental?

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